Maximalismo, Camp, Cartoonização & Trixie Mattel
Mais é mais, o maximalismo na cultura como reflexo do momento socioeconômico mundial e sua interpretação cartoonizada na maquiagem.
É sempre difícil voltar, principalmente depois de tanto tempo - foram 7 meses sem aparecer aqui na sua caixa de entrada. Em maio senti culpa, por ter ficado um mês sem escrever, em junho senti frustração por não conseguir retomar o ritmo, em julho não senti nada - simplesmente esqueci desse compromisso em meio a tantas mudanças - e de lá até agora senti vergonha de voltar. Loucura, né?
Vivi muitas mudanças. Internas, externas, pequenas, grandes, sutis e intensas. Mudei de país, de casa e a também a minha relação comigo. Mal posso esperar para te contar cada uma delas. Invariavelmente isso afetou minha escrita. Sem saber por onde começar, resolvi retomar o último volume que havia iniciado lá atrás falando sobre a crescente cartoonização da cultura pop e da beleza.
1. “mas elisei porque esse tema?”
Eu sou fielmente fã de excessos - mais blush, mais cores, mais contraste - não a toa minha maior referência no mundo da beleza é uma drag queen com uma maquiagem extremamente grandiosa e exuberante: Trixie Mattel.
Graças a Vogue, o Fashion Institute e o MET Gala desde 2019 a internet teve conhecimento e abraçou um termo para definir esses excessos estéticos da contemporaneidade: CAMP.
Dentre as muitas expressões que repito on e offline “It’s giving camp” se junta ao panteão das mais utilizadas. Se definirmos ao pé da letra a gíria, que possui fortes raízes na cultura queer, é utilizada para determinar um comportamento, atitude ou interpretação exagerada, artifical ou teatral.
E essa abundância estética vem há alguns anos se mostrando mais presente na sociedade de diversas formas - do barbiecore até o retorno do emo - essa caracterização se consolida como algo inerente a geração z.
A grandiosidade tem nos últimos meses tomado uma forma ainda mais delineada e cartoonizada nas passarelas, feeds e na identidade visual dos mais diversos artistas e marcas em uma verdadeira maré na cultura pop. De Jacquemus com bolsas infláveis acelerando pelas ruas de Roma até os metrôs com cílios gigantes promovidos pela Maybelline.
2. o pendulum
A ascensão desse vício inerente ao excesso é motivada por diversos elementos sociais ao longo dos anos como a estagnação econômica, o cenário político, mudanças climáticas e até mesmo doenças, como a COVID ou a própria crise de saúde mental enfrentada na contemporaneidade. Esses elementos influenciam diretamente a perspectiva da sociedade, em especial os jovens, sobre o futuro.
Em seu artigo “Power Play and Performance in Harajuku” a escritora, historiadora e doutora Amelia Groom, aponta como a incerteza do cenário sócio-político-econômico afeta diretamente os jovens gerando o desejo e necessidade de fortalecerem sua identidade individual, como uma fortaleza. A autora usa como exemplo as movimentações e desdobramentos do street-style japonês que ao longo das décadas funcionou como uma resposta e adaptação direta da juventude a sociedade local.
“Clothes are invested with both individual and collective facets of identity, memory and imagination.” - Amelia Groom
Compreendermos portanto o quão determinantes são os jovens para a definição do espírito da época, por ocuparem esse lugar de inquietude e vanguarda ao responderem aos estímulos da sociedade, e o quão entende-los é fundamental para o reconhecimento dos movimentos estéticos vigentes.
A juventude está longe de ser homogênea ao longo da história, pelo contrário, o trajeto percorrido pela humanidade está recheado de idas e vindas, pincelando de ponta a ponta extremos, do minimalismo ao maximalismo, do funcional ao teatral em uma espécie de pêndulo que navega entre os extremos tendo como eixo rotacional as mudanças socioeconômicas.
Os anos 80 foram marcados pelo glamour e cores eletrizantes, meu predileto inclusive, já nos 90 entramos numa onda de minimalismo seguida pelo maximalismo dos anos 2000 com o Y2K e o retorno a valorização do minimalismo ao longo da década de 2010.
Seguindo o ritmo do pêndulo nos anos 2020’s excesso is in. Mediante a uma desconexão do real proporcionada pela hiperconectividade e o niilismo com que navegam-se catástrofes globais o maximalismo e o excesso estético entram como um shot de escapismo, um estímulo positivo induzido em meio a apatia.
3. gen-z interpreta o maximalismo
O momento presente é marcado por uma geração questionando tanto a cultura de imagens curadas como a função do vestir, usando objetos garimpados e nada convencionais como um grito de independência em forma de excessos coloridos e cartunescos.
Em “Power Play and Performance in Harajuku”, obra de Groom citada anteriormente, a escritora afirma que ao fazer do não prático uma estética o pretexto da necessidade de naturalidade que permeia o vestir é deixado de lado, ganhando por fim um senso de honestidade em como nos apresentamos para o mundo.
A criadora Mina Lee tangibiliza essa obsessão pela falta de praticidade e o apego ao irreal a partir da ótica dos sapatos - que ao longo das últimas temporadas foram destaque nas passarelas e feeds, de Loewe até as Crocs.
Dentre os itens fashion que mais pautaram discussão na internet as botas vermelhas a lá Astroboy da MSCHF levam a coroa como as mais comentadas de 2023 até agora. No site da marca o calçado tem a seguinte descrição: “Art over wearability”, descrevendo a “cartoonishness” do modelo como uma abstração que liberta das restrições da realidade. Mas e quando pensamos no mundo beleza, como esse conceito se traduz?
4. drag & fantasias na maquiagem
Quando pensamos em conceitos como o maximalismo, a abstração e a própria liberdade no mundo da maquiagem é inevitável relaciona-los a arte drag, que justamente transita entre os conceitos de gênero por meio do exagero e da performance.
E se tem uma coisa em crescente demanda na cultura pop são as drag queens. Do topo das paradas musicais brasileiras, com Pabllo Vittar e Gloria Groove, até incontáveis novas franquias de Drag Race do Oiapoque ao Chuí os grafismos da beleza drag tomou conta do mundo da maquiagem para muito além dos palcos.
Muito do que grandes celebridades como Kim Kardashian levaram ao mainstream, como o contorno, toma como ponto de partida passos da rotina de artistas drag, que ao longo das décadas aprenderam a manipular luz e sombra por meio da maquiagem dando forma a novas possibilidades de ser.
Possibilidades essas pautadas no adorno. Em estudos de séculos atrás estudiosos como o historiador e professor escocês Thomas Carlyle reforçam o primeiro propósito das roupas serem o ornamental e não para aquecer ou decência.
‘Human history is not the history of flesh and bone and blood, but a mere chronicle of costumes’.
E ao considerarmos a ornamentação como prioridade humana na história, drag se coloca ao centro como o ápice. Nessa reportagem a jornalista Devon Preston inclusive elenca tendências aderidas pelo mundo da beleza e que tiveram sua concepção nos camarins de drags mundo a fora.
5. Trixie Mattel, hyperreal e anime
E essa ornamentação lúdica se faz cada vez mais presente no léxico cultural como uma maneira de expressar e traduzir sentimentos e ideias complexas de forma palatável. Retomando ao início desse volume a queen Trixie Mattel é o epítome desse conceito, flertando entre a boneca mais amada de todos os tempos e a diagramação de personagens dos quadrinhos a artista transita entre as mais diversas audiências.
O termo dado a esse fenômeno pelo sociologista francês, Jean Baudrillard, é "hyperreal”. Ele surge para descrever a inabilidade contemporânea de distinguir a realidade das suas representações, para compreender basta pensar na fatídica obra do cachimbo, mas também como marcas como a Loewe romantiza os simulacros de objetos reais com linguagem de video game, traduzindo para o mundo físico os pixels e a renderização.
De forma transversal o hypereal então não ocupa apenas as passarelas, mas também os feeds e as prateleiras das mais diversas marcas de maquiagem, com gigantes da indústria como Colour Pop, E.l.f Cosmetics e Kylie Cosmetics licenciando personagens do Batman ao Naruto, tornando todo o processo de estruturação de suas coleções e campanhas cada vez mais imersivas, lúdicas e maximalistas.
6. “lá vem ela”
Quando o assunto é maximalismo a Beauty Artist Mari Kato é referência. Por isso, hoje ela compartilha conosco como reproduzir seu já “signature” blush romântico.
1. Desenhe e Corte
O primeiro passo é escolher sua forma, no caso o coração, desenha-lo em uma folha de papel e recorta-los. A variação de tamanho entre as figuras garante dinamismo na maquiagem.
2. “Is there something on my face?”
Com um pedacinho de fita crepe aplique os decalques nas maçãs do rosto.
3. Bora de Blush
É hora da minha parte predileta! De acordo com a expert você pode aplicar o blush tanto com pincel como com os dedos, nas fotos Mari usou o blush “Coeur Battant” de NARS.
4. Muito Cuidado!
É hora de retirar os adesivos do rosto, tenha cuidado e se necessário use um cotonete para limpar a parte interna do coração e enaltecer o vazado do formato contrastando com o blush.
O céu é o limite considerando que a técnica pode ser reproduzida nos mais diversos desenhos, o mais importante é se lembrar sempre que maquiagem é para gente se divertir!
Você confere as belezas assinadas por Kato acessando esse link.
7. mood(isei)
Encerramos esse volume com uma board especial no Pinterest com diversas belezas maximalistas para te inspirar - você confere clicando aqui.
Ah, e me conta o que achou, o que ou quem quer ver por aqui, o que te dá inquietude antes de dormir - vou amar pesquisar, ler e desbravar a internet para encontrar suposições para dialogarmos. Nos vemos no próximo volume. Com carinho, Elisei.
Colaboração de Conteúdo: Mari Kato Revisão: Bianca Brauer, Juliana Mazza e Natália Marques