Punk, Queercore & Delineados
Traçando paralelos entre o momento histórico que a estética Punk se deu em Londres e a atualidade, tão como a maquiagem, principalmente delineados gráficos, protagonizam uma nova onda do movimento.
1. "mas elisei, por que esse tema?"
Hoje revisitamos o volume #7 - publicado em março de 2022 - que foi dedicado a todas as inquietações sobre moda, arte, juventude e maquiagem que surgiram na minha mente após conhecer Londres pela primeira vez.
Antes de embarcar para o Reino Unido gravei meu episódio no podcast Confabulando, o filme que discutimos foi "Hedwig and the Angry Inch", a obra que acompanha a jornada de uma artista queer transitando entre o rock, o punk e a fluidez de gênero sensibilizou o meu olhar para a disruptividade desse movimento que moldou o cenário urbano mundial - principalmente do meu destino da #EliseiEuroTour de janeiro, Londres.
Isso porque a origem do Punk em Londres foi congruente a história da Moda. Alô nação de fãs da Vivienne Westwood, rise up! A ativista, designer e ícone londrino exerceu, e desenvolve até hoje, papel primordial no desenvolvimento da estética DIY (do it yourself), lema que foi responsável pela invasão de looks punk nas ruas da cidade como uma resposta a sociedade estagnada da época.
Durante minha estadia na terra da rainha o universo me apresentou essa temática mais de uma vez. Foi na última, quando me deparei com uma belíssima história em quadrinhos - que me conquistou com suas páginas rosa neon - "Mean Girls Club: Pink Dawn”, que decidi que esse tinha que ser o tema da #UNSM desse mês.
Não vou me extender no plot da história, que é incrível, mas algo sobre os inúmeros quadrinhos e zines (publicações independentes produzidas por entusiastas de um determinado fenômeno cultural) que vi no Museum of Youth Culture me fizeram refletir sobre o papel primordial da juventude em moldar não só a cultura de Londres, como do mundo. E mais, como a maquiagem e em específico delineados exercem papel fundamental nessas movimentações sociais nos dias de hoje.
2. o jovem como protagonista
Movimentações que propõem mudanças sociais e alterações na maneira com que algo é executado são em sua grande maioria encabeçadas por uma juventude cansada e saturada do modelo cultural, social e econômico que não os contemplam. Foi assim com o Punk nos anos 70 - com a economia em queda a crise impediu que as indústrias absorvessem os jovens no mercado de trabalho - e é assim hoje com cantoras como Willow Smith, Bimini Bon Boulash e a própria Olivia Rodrigo cantando “where is my fucking teenage dream?” ao pensarem que o mundo que a elas foi prometido, não é o que de fato as esperava.
Porém nos dias de hoje, com a linha entre estilos musicais cada vez mais tênue artistas agregam características do pop ao hip hop, criando obras com uma conotação mais multifacetada que transita entre temas como gênero, ambientalismo e afeto. E é essa mistura de raiva, impotência, desespero e criatividade que dá o tom disruptivo e a originalidade ao movimento até hoje.
Falando em disruptividade, acredito ser importante definir o conceito, que é consideravelmente recente e exerce papel essencial no desenvolvimento desse volume da newsletter. Ele foi apresentado precisamente em 1995 pelo professor de Harvard, Clayton M. Christensen, que definia disrupção como um termo que engloba a gestão de negócios e é utilizada quando existe uma quebra de padrões em como algo é realizado. De acordo com o especialista o conceito está diretamente atrelado a ciclicidade do Capitalismo e a idéia de que a vinda de uma nova invenção destrói a antiga.
Isso fica simples de entender quando pensamos na relação da Netflix com as locadoras por exemplo, porém o conceito pode também ser aplicado a como nós nos comportamos diante ao consumo a cultura, seja de séries ou álbuns.
E o que nos interessa dessa definição é a quebra de padrões, uma vez que quando falamos do movimento Punk em sua essência está até hoje a oposição ao modelo da cultura vigente. Nos últimos anos vemos essa chama sendo reacesa uma vez que a cultura digital, protagonizada pelos jovens, tem ganho cada vez mais relevância social. TikTok lhe agradecemos.
E a insatisfação dessa geração - que cabe em vídeos de 15 a 30s - é multifacetada e streamável, da impossibilidade de se inserir no mercado de trabalho até questões climáticas, raciais e de gênero.
3. smells like queer spirit
Vertentes do Punk que englobam pautas LGBTQIAP+ já existem a décadas, o subrecorte mais conhecido é o queercore, que surge como um averso a hetero-cis normatividade em meados dos anos 80.
Me deparei com essa faceta na minha última viagem ao podverso quando encontrei o podcast Balanço e Fúria, que apresenta e disseca lindamente música e política e me apresentou essa variação do Punk - o queercore.
No decorrer do podcast os apresentadores colocam o termo queer como a oposição a “normalização” do gay, portanto o queercore lida com questões como orientação sexual, identidade de gênero e direitos individuais revelando e evocando o radical e fora da norma através da auto expressão, do estilo e inevitavelmente da maquiagem.
O conceito de corpos insubordinados une ambos movimentos e atravessa a vivência LGBTQIAP+ até hoje. Principalmente em uma sequência de anos politicamente densos, com teor social a flor da pele - essa efervescência pode ser considerada uma das forças motrizes para não só o retorno do queercore como do desdobramento de novas abordagens nas artes, como a própria maquiagem.
4. delineando o movimento
E "qual o papel do delineado nisso tudo?" você deve estar se perguntando. Os traços inovadores, pontiagudos e afiados encorpam esse sentimento e estampam o rosto dos jovens. Diferente da leveza de um bom esfumado, delinear é riscar, demarcar e estruturar formas no rosto. Delineado é impositivo, é proposital, é intencional e por isso protagoniza a maneira de externalizar essas frustrações.
Inclusive quando olhamos para os conceitos básicos do design entendemos como a linha possui um papel importante como guia visual, o traço fisga a atenção e direciona o olhar, como um comando.
Perdoem a minha abordagem quase poética a algo “tão simples” como o delineado mas existe um peso gigante em como decidimos pintar nosso rosto como sociedade e estamos vivendo um momento absurdamente único e revolucionário ao traçarmos esses novos imaginários.
Imaginários esses que hoje contemplam de você até popstars e representam uma iniciativa de libertar nossas percepções do que não só o rosto pode ser mas também como nós queremos nos apresentar diante a sociedade, seja assimétrico, imponente ou até mesmo minimalista.
5. "lá vem ela"
E não poderia falar de delineados assimétricos e imponentes sem falar com uma especialista. Nesse volume recebemos a talentosíssima beauty artist @pecalderaro para ensinar uma opção dramática & chic demais!
1 // o primeiro traço
"Com um delineador em gel" - nesse conteúdo Pedro usa o delineador da linha "CAT" da Dailus - "e um pincel de precisão, faça um traço saindo do canto interno dos olhos até o final da sobrancelha. O traço deve ser feito na parte superior dos olhos, um pouco acima da pálpebra móvel"
2 // agora embaixo
"Faça o mesmo processo na região inferior dos olhos, contornando o canto interno e levando o traço até o canto externo dos olhos. Aqui, é possível usar como referência à técnica de delineado invertido."
3 // hora de juntar
Agora é hora de juntar os traços, Pedro diz "Faça um elo entre os dois traços, desenhando um formato de “C” para ligar a ponta superior com a ponta inferior."
4 // encapsulando
"Preencha toda a região com o delineador em gel, deixando a pálpebra móvel limpa. O intuito é “encapsular” a pálpebra, como se o delineado estivesse envolvendo esse espaço."
finalize // toque final
Pedro finalizou a maquiagem com a Máscara de Cílios à prova d’água “Better Than Sex” da Too Faced e adicionou um pouco de Eye Gloss da Linha Bruna Tavares no espaço “negativo” da pálpebra.
6. moram no meu coração
Ficou com vontade de copiar o delineado? Aqui vai uma seleção do high ao low para você construir formas & pirar nos grafismos á lá @pecalderaro.
Meu tipo de delineador predileto é líquido, ele é mais fluído, o que é perfeito para construir formas e pirar nos grafismos - os em caneta também são uma opção legal por ser mais simples de assimilarmos os movimentos que fazemos na escrita.
- Delineador Líquido Preto "Cat" da Dailus
- Delineador Líquido Lollipop & Aspargo "Enjoy" da Frederika
- Delineador Líquido "Hipnose" da Linha Intense by Manu Gavassi
- Delineador Líquido "Phenomen'Eyes" de Givenchy Beauty
- Delineador Líquido "Diorshow On Stage Liner" de Dior Beauty
- Delineador Líquido Preto "Disturbia" de Givenchy Beauty
7. mood(isei)
O cinema exerceu papel fundamental no desenvolvimento do queercore como subcultura punk em meados dos anos 70 e por isso o moodboard desse volume não poderia ser outro, convidei Confabulando - um podcast dedicado ao cinema queer - para nos apresentar duas obras que apresentam um recorte esse movimento.
A época foi marcada por longas que se recusavam a acatar o moralismo que chegava com a crise do HIV e que buscavam subverter o que era esperado de "representatividade LGBT" nas telonas.
The Raspberry Reich (2004, dir: Bruce LaBruce): O longa é um soft porn político, um manifesto a libertação sexual. Um grupo de militantes de esquerda, comandado por Gudurun (Susanne Sachße) decide sequestrar o filho de um empresário rico e o crime acaba balançando a relação dos membros da gang.
Queercore: How To Punk A Revolution (2017, dir: Yony Leyser): Zines, músicas, ativismo, o documentário passeia pelas principais manifestações artísticas envolvendo o movimento Queercore. Durante o filme é possível ver os impactos e influência que esses artistas têm até os dias de hoje.
Ah, e me conta o que achou, o que ou quem quer ver por aqui, o que te dá inquietude antes de dormir - vou amar pesquisar, ler e desbravar a internet para encontrar suposições para dialogarmos. Gostou? Nos vemos no próximo volume. Com carinho, Elisei.
Revisão: Álvaro Bigaton & Natália Marques Colaboração de Conteúdo: Pedro Calderaro & Confabulando
teve lacre demais nessa