Resenha, Ultra Fast Beauty, Fomsumerism & Influência
Em que momento a opinião virou veredito, a maquiagem apenas o produto e o conteúdo somente a resenha?
1. elisei, por que esse tema?
Nos últimos meses tem sido conflitante acompanhar a comunidade da beleza se debruçando tão fortemente na cultura das resenhas. Ao mesmo tempo que conhecer todos os produtos do mercado soa como uma proposta encantadora, o senso de que tudo é imperdível, urgente e inédito gera ansiedade não só sob qual é o papel de quem cria conteúdo, mediante a essa avalanche de estímulos, como também do que é de fato desejado ou necessário, por quem acompanha.
Quantas vezes você viu alguém testando a base da Virgínia ao longo do último mês? Ou quantas resenhas do Blush Dior Backstage Rosy Glow apareceram na sua timeline quando descobriram que esse era o predileto da Kylie Jenner no ano passado?
A construção de um produto assinatura - aquele memorável para uma marca, sabe? - antes levava anos, como Laura Mercier com seus pós ou Maybelline com máscaras de cílios. No entanto, na última década plataformas como o TikTok permitiram a massificação desses itens em tempo recorde, como a máscara de cílios L'Oréal's Telescopic Lift após o polêmico #MascaraGate com a influenciadora Mikayla Nogueira ao longo do último mês.
Esse novo fluxo de informações tem afetado não só o consumo de maquiagem como também a maneira com que navegamos na internet e interpretamos conteúdo. Pensando bem, precisamos falar e esbanjar tanto um produto - até mesmo os que achamos que não valem a pena?
a hiperfixação
Os formatos de conteúdo estão em constante repaginamento com o desenvolvimento de novas redes sociais contudo é indiscutível que a estrutura mais celebrada entre entusiastas da beleza é a da resenha.
Como gênero textual a apreciação valorativa é o que constitui a resenha. É a partir desse “Vale ou não a pena?” que o usuário avalia não só os lançamentos em si, como em uma espécie de fact-checking da beleza, confirma também o que vem sendo dito sobre determinado produto por outros criadores de conteúdo.
E aqui o intuito começa a se abstrair, questionando-se a integridade da opinião ou veredito de quem aprovou o produto anteriormente. Uma resenha sobre a resenha, that's so meta.
Cria-se portanto um ciclo de falar sobre o mais novo produto e então falar sobre o que foi falado sobre esse produto - deixando muitas vezes de lado a proposta de uma nova conversa, compartilhamento de um novo conhecimento ou sugestão de um outro formato e partindo da premissa que é um direito (e necessidade) viralizar diante de todo assunto, trend e produto do momento.
A consultoria criativa float vibes fez uma análise em 4 partes sobre o viralismo e o desejo de alcançar números estratosféricos nas redes sociais que vale sua leitura para aprofundamento no tema.
3. fomsumerism & o excesso de fomo
Em “um um mundo ideal, a atenção online não seria um recurso finito”, contudo, no cenário atual, o criador de conteúdo compete diretamente com o público por atenção e impressões. Vejo um novo arquétipo digital tomando forma, para além do influenciador e do creator, com o público final assumindo a frente da produção de vídeos - que muitas vezes se debruçam em decretar vereditos sobre o que compraram.
E se todo mundo está resenhando, você vai ficar de fora? Esse medo de não fazer parte tem nome: FOMO. O “Fear of Missing Out” é assunto recorrente quando falamos de internet, hoje as discussões em torno dessa ansiedade social inclusive já aprofundam a conexão entre ela e o consumismo. FOMO + Consumerism = Fomsumerism.
Esse conceito foi diretamente atrelado ao consumo de beleza pelos alunos da Universiti Teknologi MARA, na Malásia. De acordo com o estudo publicado em 2021 o Fomsumerism é um estado de espírito que desencadeia os usuários das redes sociais a consumirem algo a partir de um sentimento de carência e perda ao não serem associados a um determinado assunto.
O receio de estar a margem da pauta do dia induz pequenos influenciadores e o público final a consumirem cada vez mais produtos de beleza para que então possam produzir ainda mais resenhas, ampliando a “chance de viralização” ao falar do produto polêmico da vez.
Esses mecanismos de publicação pessoal, são inerentes à estrutura desse espaço informacional conhecido como Internet, contudo redes sociais, como o YouTube, e agora o TikTok tiveram papel primordial em gerar uma mudança de poder dentro da indústria ao aproximar cada vez mais o consumidor final de um lugar anteriormente ocupado por artistas, e em seguida influenciadores: o centro das discussões.
Portanto o Fomsumerism além de desencadear o consumo como um sinal de pertencimento aos debates vigentes também centraliza o consumidor final como produtor primordial de informações e insumos para as marcas.
Hoje o conteúdo gerado pelo consumidor corresponde a uma fatia extremamente relevante para construção de marcas, principalmente de beleza - as tais comunidades. Anteriormente esse mercado via como canal de comunicação as revistas, revendedoras e a televisão - hoje, para além das redes sociais de celebridades, o conteúdo gerado espontaneamente pelo consumidor final ocupa um papel primordial na disseminação e viralização de um item de beleza.
4. ultra fast content
A criadora estadunidense Mina Le fala no vídeo abaixo sobre esse cenário cada vez mais acelerado considerando o mundo da moda, contudo marcas de beleza como Colour Pop, a própria Sheglam e Beauty Bay também operam hoje em ciclos parecidos aos da ultra fast fashion, anunciando novos produtos e colaborações semanalmente.
O ponto defendido por Mina em seu vídeo é de que partimos de uma linguagem digital em que destrinchávamos uma única tendência ao longo de um vídeo de 20 minutos para agora vídeos curtos de 50 segundos que compilam inúmeras produções diferentes, exigindo muito mais não só do creator na produção como também expondo o público a um número maior de estímulos, de produtos e até de referências em um curto período de tempo.
E esse ritmo frenético não é uma realidade exclusiva para os vídeos, mas também está diretamente conectado aos comportamentos de consumo de maneira geral. O ciclo de 20 anos entre tendências como conhecíamos foi se diluindo ao longo dos últimos anos para 10 anos, 5 anos até chegarmos na casa dos meses, com microtrends fomentando uma necessidade contínua de comprar, usar e produzir conteúdo em curtos períodos de tempo. Alô barbiecore, brazilcore e afins+core.
Há algumas semanas, inclusive, tive uma conversa muito interessante no trabalho sobre isso, como sociedade estamos cansados de tantos estímulos e minha colega me apresentou ao fato de que nos últimos anos produzimos na internet um volume maior de dados e informação do que a quantidade produzida em toda a história da humanidade. É praticamente pensar que vivemos 200 mil anos de descobertas, histórias e conteúdo em apenas 2.
Só no Youtube, quando pensamos no segmento da beleza, é estimado que se consome mensalmente mais de 1.6 bilhões de minutos em vídeos. Esse crescimento estrondoso dos minutos assistidos nas redes sociais só é possível porque o volume de conteúdos produzidos é tão grande quanto. De acordo com a Domo, empresa de inteligência de negócios, a cada minuto, o YouTube recebe 48 horas de vídeos.
5. “um terreno em disputa”
E afinal em meio ao consumo vertiginoso de beleza - seja de produtos ou conteúdo - existe um consenso sobre qual a melhor maneira de navegar por essa comunidade na atualidade?
“Quando pensamos no mundo contemporâneo, o grande negócio da estética é estar no fato de o belo não ser um estatuto, não ser a beleza clássica. O belo está em disputa. O campo da estética é um terreno em disputa." pontua Guilherme Lobão, Doutor em Comunicação Social em entrevista para a jornalista Flavia Schiochet.
E esse terreno pode sim ser muito fértil para reflexões. Em meio a esse crescimento alucinado da indústria te convido a praticar um novo olhar para o mercado e para produtos - principalmente para os que você já deve ter em casa.
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Para além da compreensão do consumo e da necessidade de determinado produto, também nos comprometermos a pensarmos de maneira intencional no que publicamos nas redes, o que compartilhamos com o próximo e como consumimos esse conteúdo.
Isso não significa deixar de lado o entusiasmo em conhecer uma nova marca ou um novo produto, longe disso! Inclusive quando crio algo - seja escrevendo, fotografando ou gravando - é indiscutível o desejo de estabelecer pontes com marcas, é por meio delas que se torna possível amplificar as discussões que acredito serem necessárias no mundo da beleza e que rentabilizamos nosso trabalho na internet. Mas sim sobre sermos mais intencionais, criteriosos e seletivos quando o assunto é não só o consumo de beleza como a comunicação que permeia esse universo.
6. lá vem ela
Ao longo da redação desse volume troquei muitas figurinhas com meu amigo & ídolo criativo Álvaro, criador do perfil fera macia, sobre como - em suas palavras - “talvez esteja faltando sentido na marcas e em troca tá faltando sentido na influência de beleza".
E por isso o convido para debater um pouco mais a fundo o consumo e a criação de conteúdo de uma forma mais consciente, viceral e quem sabe até saudável…?
Como boa aquariana, a responsabilidade cósmica que me foi atribuída ao nascer é a de questionar. Ser do contra. Advogar pelo diabo. E hoje fui conjurada pela minha amiga leonina Elisei pra trazer um pouco de inspiração anti-algoritmo a essa maravilhosa edição da newsletter que escancara uma relação tão fascinante entre indústria, consumo e comunicação.
Aqui está o meu Top 5 piores práticas para um algoritmo feliz (mas para uma criação de conteúdo mais intencional):
1. Iniciar uma nova conversa.
O algoritmo recompensa quem participa das conversas mais relevantes do momento, mas existe um potencial muito mágico em introduzir um novo assunto ou ponto de vista que pode não ser o mais popular ou compartilhável, mas que traz a sua audiência um pouco mais pra perto da forma como você pensa e enxerga o mundo.
2. Curar parcerias.
Às vezes você recebe uma proposta de parceria cujo briefing é completamente fora do que você imagina para o seu conteúdo, e você pode optar por se dar essa chance ou deixar a oportunidade para outra pessoa. Eu gosto de negociar possibilidades antes de tomar qualquer decisão, mas é importante para mim que exista esse casamento entre a minha linguagem/objetivos e as oportunidades que eu aceito para o meu perfil.
3. Processos artesanais.
Uma das regras que eu estabeleci pra mim mesmo lá no comecinho do fera macia é que eu seria responsável por tudo no perfil; ilustração, texto, fotografia, animação, edição, etc., e isso me permite elaborar e manter uma linguagem consistente e identificável, mesmo que às vezes eu precise me dedicar um pouco mais ao processo antes de alcançar o resultado desejado.
4. Honrar aprendizados.
Esse item é um pouco relacionado ao último. Conforme eu crio tudo por conta própria, eu também aprendo muito, e é importante que eu me dê tempo e espaço pra continuar evoluindo e obtendo consistência na qualidade das minhas entregas. Às vezes eu preciso refazer um determinado take várias vezes até chegar no resultado que eu quero, mas isso vale à pena pra mim.
5. Acessar o lado orgânico da criação de conteúdo.
Eu me surpreendi com o retorno caloroso que eu recebi quando publiquei alguns conteúdos mais pessoais no meu Pinterest, e aprendi que deixar de lado a consistência temática do meu perfil de vez em quando pode abrir possibilidades de conexão que eu não imaginava antes. É libertador lembrarmos que somos pessoas complexas e que isso pode se refletir no nosso conteúdo também.
7. mood(isei)
Para encerrar o volume minha recomendação da vez é a newsletter da Lee Tilghman. Ela é uma palestrante, escritora e professora e no seu projeto “Pet Hair on Everything” oferece uma perspectiva única de uma ex-influenciadora de wellness em como navegar esse mercado de criadores. Recomendo não só a inscrição como também a leitura da edição abaixo.
Ah, e me conta o que achou, o que ou quem quer ver por aqui, o que te dá inquietude antes de dormir - vou amar pesquisar, ler e desbravar a internet para encontrar suposições para dialogarmos. Nos vemos no próximo volume. Com carinho, Elisei.
Revisão: Natália Marques Colaboração de Conteúdo: Álvaro Bigaton