Eu Sou a Minha Própria Religião
Eu confio em um amanhã mais surpreendente que ontem. Eu confio nas minhas escolhas até aqui. Eu confio nas decisões que eu achar serem necessárias daqui em diante.
Os ventos de Copenhagen anunciam a dança agitada dos meus cabelos molhados pela chuva ao passo que pedalo de volta para casa.
Casa. Já faz uma semana, analiso o mesmo apartamento que me mudei dias atrás ganhando cor, forma, estampa, bossa; o vermelho, o verde, o azul - um banho de cor.
Um banho de Marina.
Na parede, uma folha do jornal que sequestrei perambulando pelo centro diz ‘adventure awaits in the unknown’.
Sou viciada no desconhecido - mais do que isso, na minha reação diante dele. A forma como ele dispara meus batimentos e seca os meus lábios. Quão espontânea eu sou capaz de ser? Qual o limite da minha irresponsabilidade? O que norteia a minha próxima decisão?
Adentrar novos territórios me convida a tomar as rédeas e com isso assumir uma firmeza ímpar na forma com que exploro cada alternativa posta à minha frente.
Quando eu quero, eu vou. Quando eu sinto vontade, eu faço. Quando eu preciso, eu falo.
Me encontrar em completa agência sob a minha vida - cada detalhe rotineiro dela - revira o meu estômago, aperta o topo da minha garganta e agita as lágrimas que banham a nova espinha que ocupa minha bochecha direita. O senso de liberdade é excitante.
Semanas atrás tive minha última sessão com a minha terapeuta, para minha surpresa depois de anos de acompanhamento recebi o presente, e o desafio, de seguir pelos próximos meses sem a supervisão - dela, ao menos - sob os meus sentimentos. Um convite a arcar com cada anseio e desejo, um compromisso em buscar me entender mesmo quando tudo parecer não fazer sentido algum.
Embarcar numa jornada sozinha é ser sua própria conselheira, melhor amiga, amante - tomar para si as responsabilidades de ir e vir, de se entreter, fazer rir; sem atalhos, sem trapaças, sem muletas e no meu caso, muitas vezes, sem freios.
Acelero mesmo na chuva, pedalo rapidamente no asfalto molhado de ruas que não conheço em uma bicicleta verde limão que ainda me é imprevisível. Cada gota ensopa minha jaqueta de couro velha, sinto a água escorrendo por entre o meu pescoço, fios do meu cabelo grudam no meu rosto entre o cruzamento de um semáforo e outro e por pouco consigo ver a tela ensopada do celular me guiando quanto aos próximos passos do meu trajeto.
Acelero sem medo de cair, de derrapar, de me machucar - sem medo por que eu estou aqui, minhas mãos são firmes no guidão, meus ombros sustentam a malícia com que corto o vento em cada cruzamento e meus pés seguem atentos, mesmo que encharcados, caso precisem cravar o asfalto.
Acelero sem medo porque eu sou a minha própria religião.
Encontro enfim espiritualidade no mais inusitado dos lugares, não em um templo ou em um livro, mas sim entre as minhas tatuagens, pulsando nas minhas veias e dilatando minha pupila.
Proclamo com o peito cheio: eu confio em mim!
Em caixa alta, pendurada na janela do quarto andar, usando meu pijama azul marinho de estrelas e com minha Coca-Cola Zero em mãos, reitero como uma promessa: EU CONFIO EM MIM!
Eu confio em um amanhã mais surpreendente que ontem. Eu confio nas minhas escolhas até aqui. Eu confio nas decisões que eu achar serem necessárias daqui em diante. Como poderia ser diferente? Já presenciei o improviso quando eu não sabia as respostas, a minha gargalhada quando errei homericamente e o choro quando finalmente me entendi digna do meu amor.
Acredito então em tudo que o universo tem a me oferecer por que eu estou pronta para o que quer que seja, abraço a promessa da possibilidade e de que para a Marina tudo ainda é pouco.
Digo sim para a encrenca, vivo o improvável, me lambuzo em mais um Aperol Spritz, me perco entre endereços no próximo beijo, acordo em um bairro que nunca saberá meu nome e eternizo cada experiência em uma lágrima de contentamento.
Choro no pier, sob duas rodas, entre estações, na sala de aula e no supermercado - enquanto leio, enquanto escuto música, enquanto penso na minha mãe. É me banhando diariamente nessa cachoeira que celebro a minha libertação.
Que sorte me tornar livre.
Me fantasiar toda manhã, sentir o sabor adocicado como gengibre de ser leviana, a leveza da inconsequência, gritar a letra das minhas canções favoritas aos quatro ventos - livre.
Que eu continue fiel a minha crença, sentindo na pele, na íntegra, de forma visceral, cada vivência mundana que faz de mim, e não o outro, o centro do meu universo.
É por mim, afinal de contas.
“I might have been born again
I'm ready to feel like I don't have thе answers
There's pеace in the madness over our heads”
Tenho me esforçado para registrar cada evento que faz com que essas engrenagens girem - Paris foi catalizador para muitos desses sentimentos de primeiras vezes, de coragem, de desbravar o desconhecido e me divertir no processo de não saber onde isso vai parar. Compartilho aqui o compilado do que vivi até agora (:
ei (: me chamo marina elisei e essa é a minha newsletter.
o universo da beleza me introduziu uma lente única sobre gênero e hoje a uso para transcrever os anseios e alegrias da minha transição enquanto sigo delineando a forma da mulher que quero ser.
uma newsletter sobre - muito mais que - maquiagem.
tem pinturas, quadrinhos, colagens, fotos & narrações. posso chamar de mixed media? acho chic.
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agradeço por me ler até aqui,
um beijo,
marina elisei.
Adorei!!! Que texto mais lindo 💗
esse é o meu preferido agora